domingo, 2 de outubro de 2011

...de como uma revoada de pássaros azuis sacudiu Teresina

Participamos de uma semana como nunca havíamos visto antes no cotidiano da nossa acomodada cidadela. Milhares de pessoas juntas por um sentimento de fazer valer os seus direitos nem que fosse à unha. Numa incrível sacada e arroubo nunca antes imaginado, os pássaros azuis do twitter e os polegarezinhos levantados do facebook confirmaram presença e se materializaram também no mundo real, tendo como testemunhas o nosso sol generoso e atordoante e os olhos implacáveis da imprensa.

A indignação ocupou cada célula de asfalto da Aorta da capital piauiense, a Av. Frei Serafim, além de todas as vias periféricas, entupindo-a de gritos, sinais sonoros e muita vibração para protestar contra o aumento das passagens, que naquele momento aumentara para R$2,10, sem a mínima promessa de redução por parte das autoridades ligadas ao transporte público municipal. A polícia veio com escudos, cassetetes e balas de borracha contra os estudantes; estes retribuíam com flores, palavras de ordem, e pujantes registros fotográficos e audiovisuais.

Diversos pesquisadores estudam/estudaram os efeitos do advento da internet na vida da população, tanto da brasileira quanto a nível global, e uma das grandes possibilidades que surgiu nesses últimos tempos foi o crescimento da interatividade através das redes sociais, o que por um lado pode propiciar o ativismo “de cadeira” e consequentemente o marasmo ideológico no qual estamos (em parte) imersos; parece bem mais cômodo a sociedade achar que uma ‘twittada’ equivale à ida à manifestação, e que de 140 em 140 caracteres, teríamos o mesmo efeito massivo que os protestos ocorridos ao longo da História.

Por outro lado, pode servir também de elemento de agregação entre os segmentos que ainda pretendem se organizar e protestar efetivamente, que foi o que aconteceu aqui neste contexto da semana de manifestações – já que nada substitui a conversa “física”; mas não é intuito nosso (pelo menos nessas linhas) nos aprofundar no papel da virtualidade no processo, mas é necessário citar que em nível de protesto, outras capitais já haviam experimentado mobilizações semelhantes, tão bem-sucedidas quanto à daqui.

Vimos que alguns portais, tanto em nível local e nacional, assim como destacaram todos os êxitos do que aconteceu por aqui, também não mediram preconceitos contra a radicalidade do protesto. Por volta de 15 ônibus foram apedrejados ao longo da semana, sendo a maioria deles no centro, ponto mais acalorado dos protestos. O momento mais tenso se deu quando, além de não reduzir o valor da passagem, o SETUT, Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Teresina, divulgou uma nota que falava sobre um novo pedido de um reajuste para R$2,20; a partir daí os manifestantes ficaram ainda mais exaltados.

Como conseqüência inevitável pelos ânimos acirrados do momento, o que seria o penúltimo dia daquela histórica semana de mobilização, foi marcado pela queima de um ônibus no cruzamento das avenidas João XXIII e Nossa Senhora de Fátima, na zona leste da capital. Em contrapartida, o SETUT bloqueou milhares de cartões passe-verde (que garantem a passagem dos estudantes) até o fim das manifestações. Para quem viu o movimento à distância, através da maioria dos media, só conseguiu julgar aquele ato como vandalismo, barbárie, mas será que sem as depredações, os manifestantes seriam ouvidos tão rapidamente quanto foram? Teriam sido levados à sério?

E em verdade, lhes digo: NÃO. E explico por que. No papel de capitalista inveterada (mesmo simpatizante de algumas lutas do socialismo/comunismo), penso que as autoridades só prestam atenção e fingem tentar modificar o que está em volta de si quando lhes doem no bolso. Os empresários do transporte público da capital estão há quase 30 anos esboçando uma licitação decente, que nunca saiu do plano das ideias; enquanto isso, faturam aproximadamente 15% de lucro, ao mês, sobre a população. É fato: não faz parte do interesse deste grupo que as etapas sejam regulamentadas e, sobretudo, transparentes.

Outra constatação que já devia ter sido incorporada por todos os segmentos da população é que se a iniciativa de mudar não partir de nós mesmos, tudo vai ficar do jeito que sempre foi... O decreto que aumentava a passagem só foi revogado (por 30 dias) porque houve pressão popular e porque mesmo a mídia criminalizando o movimento, as pessoas que dependem diretamente do ônibus para se deslocarem na cidade, apoiaram a empreitada, e aplaudiam cada leva de gritos em coro que passava nas ruas, diante dos seus olhos.

Mesmo em trégua provisória, ainda estamos sofrendo com a retaliação dos empresários, que retiraram arbitrariamente 2 veículos de cada linha, e só prometem retornar ao normal se a passagem for aumentada. Mas sem dúvidas, em curto prazo, tudo que aconteceu nesses dias rendeu a atenção que a questão exige no momento, e garantiu também diversas discussões entre as entidades sindicais e políticas que compõem o Fórum Municipal de Transporte Público, e os órgãos que lidam diretamente com o funcionamento do sistema atual. A hora é de não se acomodar e nem se alijar deste processo, para que a mobilização, sangue, gritos, suor e insolação que permearam este final de Agosto e início de br-o-bró fiquem verdadeiramente marcados como prenúncios do calor da mudança.

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